terça-feira, 6 de março de 2018

saudade da Monga

devia ser década de 80 e eu devia ter 8 anos. eram férias e estávamos na casa da Penha. a cada tinha uma bancada de pastilhas amarelas na cozinha. a casa ficou jovem para sempre. Penha tem Alzheimer, não lembra de nós nem da casa ou das pastilhas.

passeio de pobre, férias na casa da Penha e passeio noturno à feirinha, lá fomos nós. eu era a mais velha, naturalmente mais corajosa, de todos os primos. a Monga era uma gorila assustadora que surgia dentro de uma jaula. diziam - nunca vi (deus me livre) - que era um truque de espelhos que fazia uma mulher transformar-se numa gorila. nunca entendi como acontecia aquilo nem o que era show de mágica. mas tudo bem, há coisas bem mais importantes que eu também nunca entendi.

tive medo. não entrei. disfarcei. desviei. (fiz isso outras vezes também ao longo da vida). à noite, quando o silêncio torna as verdades mais evidentes, tive enjoo. na infância, medo chamava enjoo. continuou chamando depois. no meio da madrugada, cutuquei a mãe. mãe de três, nem se assustou, sempre tinha alguém cutucando. 'tô com enjoo' - 'deita de bruço que passa' - acatei. deitei. não passou.

outra vezes na vida. bem depois dos 8. tive enjoo. deitei de bruços e não passou. mãe continua dizendo que vai passar. continua não passando. deito de bruços. deito de costas. olho do lado e a Monga continua lá. não passou. não passa.

saudade da Monga.

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