quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O Estrangeiro - A peça

O Estrangeiro
Albert Camus
Sesc - Santo Amaro

Mais um momento especial que a vida nos dá de presente. Hoje, nos centavos contados, cabe um teatro popular, cabe um vinho com uma salada, cabe um papo de quem divide a vida...a vida toda.
Não há novidades que a gente possa contar um para o outro. Sabemos tudo e temos o poder até de ler nossos silêncios.
A vida nos pregou peças mas nos proporcionou tantas surpresas que, no frigir dos ovos, acho que ainda estamos no lucro.
De uma leitura conjunta, um monólogo dramaticamente iluminado...
... e assim segue nossa história ...

sábado, 24 de dezembro de 2011

Trocas

das trocas que a vida ensina:
o choro pelo leite
a poltrona solitária pelo sofá
o big mac pela salada
spielberg por wood alen
o dia pela noite
a cerveja pelo vinho tinto
o muito pelo melhor
a net pelo livro
qualquer coisa por um bom papo
a vivo pela nextel
de morena para loira
algumas verdades por um monte de mentiras
muito trabalho por pouco dinheiro
muito dinheiro por inutilidades
o certo pelo talvez
todas as certezas por dúvidas
o pink pelo preto
o ter pelo ser
o ser pelo estar
os planos pelo prazer
a força pela coragem
os sonhos por algumas realizações concretas
e várias frustrações
a espera pela saudade
alguma saudade por esquecimento
a praia pelo campo
a raiva pelo silêncio
a vontade pelo bom senso
crítica por tolerância
muitos amigos por bons
anabelas por scapins
futilidades por utilidades
maus humor por recolhimento
gritos por sussurros
ordens por conselhos
desistências por conquistas
debates por entendimento
separações por conciliações
muito tempo por pouco tempo
tecido sintético por algodão
descartas por reciclar

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O meio da brochura

Tenho uma expectativa (otimista) de viver até os 80. Estou, portanto, chegando ao meio da brochura. Não sei se relacionado a esta constatação ou não, mas fato, tenho tido dias de tênue depressão (ela me cercando e eu dormindo para escapar dela).
Folheando as que seriam então as 40 primeiras páginas não consido encontrar muitas que mereçam um post-it de marcação. Tive poucos momentos dignos de um post. E isso fica mais do que óbvio pela regularidade de postagens neste meu tão abandonado blog. A vida "das pessoas" sempre me parece tão mais interessante que a minha...
Levando em consideração o fato de que, as folhas entre os 20 e os 30 deveriam ter sido as mais agitadas, entro em pânico. Pois, a tendência é que as próximas sejam ainda mais irrelevantes.
Fiz poucas viagens, li poucos livros, não escrevi nenhum, só tive uma filha, nunca plantei uma árvore. Eta vidinha besta.
Tenho cerca de 100 "amigos" no meu facebook, com mais de 50 deles troquei menos de 50 palavras durante minha vida toda. Perdi amigos fantásticos pelo caminhar da vida. Deixei de ganhar vários também por falta de dedicação.
As fotos afixadas no mural do corredor me prendem a cada passada. As memórias dos momentos registrados vão sumindo aos poucos, e eu já não lembro de ter estado naquelas fotos. Os momentos já deixaram de existir pois deixaram de existir como lembrança pra mim. Se pudesse ser visual, minha imagem deveria ir sumindo das fotos conforme minha lembrança do momento fosse sumindo da minha memória. Muito triste essa constatação. A sensação de deixar de existir. Estive uma vez em Paris. Me sobraram tão poucas lembranças de lá. Alguns dias ensolarados. Caminhar sob os arcos da Rue de Rivoli apreciando a vista da fachada do Louvre à minha esquerda. Os jardins de Versalles, os anjos. Um diário de viagem de capa verde perdido em alguma caixa.
Uma sensação de vazio tem me assombrado. Sensação de estar perdendo minhas memórias. Sensação de uma vida de rotina besta que não está me dando chances de colecionar novas memórias.
Vejo as fotos de minha bebê Maria, que não existe mais e sofro também. Eu não tenho mais uma bebê. Ela não existe mais. Não senta mais no meu colo, não precisa mais de mim para se alimentar, nem para ter suas próprias opiniões, nem para pegar o elevador e ir até a casa da amiga. Aos poucos vai me deixando, como minhas memórias de Paris.
Meus pais também vão sumindo. Aos poucos vão deixando de ser pais para se tornarem, cada vez mais, filhos. Filhos a serem cuidados.
Meu reflexo no espelho do balcão da padaria hoje, denunciou dois grandes vincos no meu rosto além de olhos cansados. Uma imagem não exatamente animadora para um café da manhã.
Sigo meus dias de aflição tentando segurar entre os dedos lembranças que já não tenho mais. Não posso negar que estou triste e desanimada.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Naquela época

cinema não era numerado
telefone não tinha teclado
noiva era virgem
são paulo tinha horizonte
açucar não era no saquinho
máquina era com filme
café no coador
chiclete de hortelã
a rua não tinha asfalto
o bairro não tinha prédio
feijão era a granel

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Endoscopia na Alma!

Hoje fiz uma endoscopia. Aparentemente, sobrou sentimento e ele teria se alojado em úlceras nas paredes do meu estômago. Quase nunca dói. Mas quando dói, é de doer. Apesar de não doer muito, me causa sensação de "fartura". Talvez como sentimento, que quando é demais, excede. Esporadicamente também tenho refluxos. Refluxos de sentimentos. Os que não me caem bem, voltam. E, esses que voltam, voltam azedos.
Tirei o dia para pensar em sentimentos. Sentimentos de uma forma geral. Os bons, os ruins, os que nos afetam e os que causamos.
De repente, me caiu na testa a responsabilidade pelos sentimentos que provoco. Parei por um minuto e do alto da minha inteligência percebi que causo sentimentos às pessoas. E causando-os, afeto suas vidas de forma definitiva.

O que eu não sabia antes...

antes eu não sabia que se podia controlar o tempo de cozimento dos legumes através do tamanho do cubo. antes eu tinha cáries nos meus próprios dentes, mas os dentes eram meus. antes eu tinha a ilusão de ter algumas certezas. antes eu andava na linha, seguia a cartilha, não ousava contestar nem levantar a voz. eu tinha mais cachos nos cabelos, menos celulite e mais disposiçao para jogos. antes eu não sabia que o aço da faca tirava o cheiro do alho da mão. antes eu não tinha Maria. antes eu era sozinha. antes eu não acreditava que as coisas sempre têm solução e que, nem sempre, a solução chega no momento que a gente deseja. eu era míope e não sabia quem era Baudelaire ou Bukowski. eu era apaixonada pelo Fabio Jr. antes eu não tinha cicatriz e tinha vesícula. eu não bebia e não comia brócolis e tinha medo da morte. eu tinha medo de bicho de pena e ainda tenho. antes eu achava que meu pai era um herói e que tinha todas as respostas que eu pudesse precisar. eu acreditava que o amor durava pra sempre e que as pessoas não precisam chorar nunca. eu não tinha lido Flaubert. antes eu não sabia dirigir, andava a pé e tomava mais sorvete. antes eu gostava de banho de chuva e de café com leite.  eu tocava violão, só 4 músicas, mas eu tocava. antes eu achava que seria diferente, que seria mais fácil, mas não foi. antes eu achei que você fosse o amor da minha vida e você realmente é ainda o amor da minha vida. antes eu achava que saudade passava. eu achava que podia substituir as pessoas, mas estava enganada. antes eu doava meus livros, hoje sou apegada a eles pois eles contém um pouco de mim. antes eu dava importância a o que não era importante, hoje é tudo diferente. eu dizia mais "nãos" do que "sins". antes eu usava mais vestidos e menos superlativos. eu tinha mais sonhos, menos lembranças. antes eu não tinha TPM.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O Estrangeiro - Albert Camus


sobre Salamano e seu velho cachorro...

"Há oito anos que não mudam de itinerário. Eles podem ser vistos ao longo da rue de Lyon, o cão puxando pelo homem até o velho Salamano tropeçar. Então, ele bate no cachorro e xinga. O cão rasteja de medo e se deixa arrastar. Nesse momento, é a vez de o velho puxar. Quando o cão se esquece, torna a arrastar o dono, e é outra vez surrado e xingado. Ficam, então, os dois na calçada, e se olham: o cão, com terror, o homem, com ódio. É assim todos os dias."
(Albert Camus - O estrangeiro)
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O terceiro livro lido no Nosso Clube de Leitura.
Niilismo, talvez. A discussão acalorou-se. Meursault era culpado? Inocente? Ou muito pelo contrário?
 Mas o que importa afinal?
O que a obra me diz é que, "nada importa", "tanto faz" a gente chega, parte e quase ninguem nota, quase ninguem sente a nossa falta.
Muito pouco do que a gente faz, faz alguma diferença no mundo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Caminhada!


Assim como Clarissa, que quis ela mesma comprar as flores, eu quis, eu mesma, entregar meus brindes de Natal. Andando a pé a gente vê coisas que não vê através do vidro fumê...barulhos internos.

Uma cadeira de rodas numa varanda gourmet. Será que ele (será ele?) se curou e guardou a cadeira na varanda como uma triste recordação? Será que era apenas uma deficiência provisória? Talvez um acidente de carro que lhe rompeu os tendões do joelho esquerdo. Será que ele morreu e a mãe inconformada guarda na cadeira a presença do filho?

Um moça morena de cabelos vermelhos e trançados passeando com um labrador chocolate. Os pêlos do cachorro tinham uma cor assustadoramente parecida com os cabelos da morena. O cachorro fez cocô. Uma montanha gigante de cocô e a morena de cabelos avermelhados recolheu o cocô. Fiquei pensando o que faria com ele. Talvez colocasse no almoço do patrão...pura vingança.

Caminhando lânguida numa calçada esburacada, uma loira alta. Altíssima e olhos pintados de preto. Muito pintados e muito preto. Tinha os cabelos muito loiros presos num coque mal feito no alto da cabeça. Usava shorts muito curtíssimos e uma xale de lã muito preta. Não consegui saber se ela estava com frio ou com calor.

Fui no 213, 8 andar e me mandaram ir no 195, 6 andar. Cadastro? RG. CPF na nota?

Vi duas meninas com os rostos colados numa janela. Pareciam irmãs, talvez gêmeas pela proximidade da idade. Ou talvez colegas do colégio bilingue. Elas me olharam, eu retribuí o olhar. Uma era uma princesa amarela a outra uma princesa azul. Estavam de batom.

Uma moça pequena, com cara de sono passeava com um gato no colo. Talvez ela fosse vocalista de uma banda de música paulista. Talvez tivesse um nome com várias vogais.  Talvez tenha ficado até as 4 horas da madrugada tocando na Augusta e por isso estava com sono. Ou talvez não fosse cara de sono, talvez ela tivesse chorado a noite inteira por causa do namorado que mora na Austrália. Talvez ele não volte.

Uma senhora que saía esbaforiga pela porta automática de um shopping com piso de granito. Carregava duas sacolas tamanho gigante. As sacolas tinham estampa de flores feitas de tecido e botões. Talvez fossem presentes para suas colegas de pilates. Ou talvez para as noras que ela odeia mas que precisa agradar para manter as aparências dos almoços de domingo.

Vi um time feminino da Dinamarca. Não sei do que era o time. Elas não tinham joelheiras portanto acredito que não era voley. Todas elas eram muito loiras, muito brancas e muito falantes. Vestiam roupas vermelhas e sorriam.

Estranhei uma moça linda sentada num ponto de taxi. Ela usava um coleta escrito TAXI e tinha uma tatuagem de borboleta no tornozelo esquerdo. Usava Melissas e eu lembrei da minha infância quando eu usava Melissas.

Numa padaria apertada peguei, direto na geladeira, uma Fanta Laranja. No caixa, uma senhora portuguesa com grandes brincos me disse que era R$ 4,90, depois se desculpou constrangida dizendo que havia se enganado que era apenas R$ 3,90. E que 4,90 era o preço do Gatorade. Fiquei feliz por ter escolhido a Fanta e não o Gatorade. Não gosto de Gatorade de Laranja. Só de limão. Mas dizem que faz mal para quem tem tendência a ter cálculo renal. Eu já tive cálculo renal. Dói.

Tem cadastro? RG por favor. Qual andar? Falar com quem?
CPF na nota?

Percebi que todo mundo andava olhando seus IPhones, IPads, Iqualquer coisa. Muitos carregavam envelopes. Alguns malas de rodinha. Alguns simplesmente andavam de cabeça baixa. Presos nos seus barulhos internos. Eu caminhava com meus sapatos baixos e muito calor.

Um grupo de freiras barulhentas atravessava a rua. Elas estavam de mãos dadas. Seriam fugitivas da Irmã Bernadete?

Muitos motoboys carregavam sacolas de brindes. Como eu.

Uma kombi entregava flores numa loja. A loja não era de flores. Era de óculos. Não vi para quem eram as flores. Talvez para a Ana. Flores enviadas pelo Marcelo em agradecimento ao espetacular jantar de ontem. Ou  talvez fossem para a Bia, enviadas pelo Guto. Um pedido de desculpas. Ou talvez para o Flávio, enviadas pelo Rogério, com uma linda declaração de amor. Definitivamente as flores tinham cheiro de romance. Estavam embaladas em papel violeta.

Aline, do 195, 6 andar nao quis me conhecer. Já me acostumei a este tipo de rejeição e a todos os outros também. As vezes sinto um frio na nuca, mas passa. Sempre passa.

Vi uma pomba agonizando no canteiro central. Virei o rosto. Ouvi dizer que pombas são monogâmicas. Fiquei compadecida pelo seu companheiro. Deve ser triste ser um pombo solitário. Envelhecer sozinho numa cidade como São Paulo.

Uma moça, muito baixa e vestida de macacão cinza perguntou se eu era de escorpião. Eu respondi que nao. Ela falou que o marido dela era, mas que era moço bom.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Sonho de um Homem Ridículo - Dostoievski

"Os sonhos, ao que parece, move-os não a razão, mas o desejo, não a cabeça, mas o coração, e no entanto que coisas ardilosas produziu às vezes a minha razão em sonho!"

sábado, 10 de dezembro de 2011

Rugas!

quando nada está acontecendo
noemi jaffe
martins fontes

um livrinho (de conteúdo grandioso) que me ganhou no primeiro passar d'olhos...

rugas
"parece que o ruim de envelhecer são as rugas. elas são ruins mesmo. preferia não tê-las. mesmo assim, pensando à distância, elas têm  alguma coisa de interessante: são como anotações de um livro. uma pessoa sem rugas é ilegível. mas, além disso, envelhecer tem tantas vantagens: é como se não fosse mais tão necessário ir em busca das coisas, internas ou externas. chegamos num meio do caminho, em que as coisas e você  estão presentes, consumadas, razoavelmente compreendidas e agora só basta experimentá-las, até o ponto possível. não precisa ser até o fim, mas já se conhece o caminho e o começo.um certo caminho andado. é bom ver os filhos grandes, a mesa posta, os problemas menos graves e, às vezes, que a maior preocupação do dia seja: onde é que fui colocar os óculos?"