Uma avó, três filhas, 10 netos, alguns bisnetos. Sou incapaz de reconhecer os bisnetos. Percebo alguns traços sutis dos pais, mas não me esforço para saber quem são. Aparentemente, eles também não se interessam em saber quem sou eu. Desconfio que a semelhança com minha mãe me denuncia. Um mesmo tronco de família. Desconhecidos dentro de uma sala cheirando mal. Desconforto e um morto entre nós. Uma avó triste, tão triste. O rosto dela é a tradução da tristeza de quem sobrevive aos seus descendentes.
O morto foi um tio um dia. Tive poucos tios. Apenas dois. Um deles, amei e odiei. Foi quem me ensinou a perdoar. Desse, que hoje era o centro das atenções, eu não tinha ódio, nem amor, nem lembranças tão pouco. Ele foi marceneiro. Fez armários, portas e o forro da casa dos meus pais e só. Foi só o que ele fez. Não consegui sofrer por ele, mas sofri pela tia, meio desorientada e abandonada na vida.
Quase no momento final, chorei na despedida do irmão. Tão velho, cego, perdido, à beira da morte há tantos anos. Chorando dolorosamente sobre o corpo do irmão, sem poder vê-lo. Vi meu pai chorando pelos amigos de uma infância tão distante. Muito mais distante do que a temida morte. Sinto que meu pai não quer morrer. Hoje o vi chorar. Chorar pelo amigo perdido ou pela sombra da morte?
O dia estava feio, como são todos os dias de enterro. Caía uma garoa fina e as pessoas se encolhiam. Encolhiam-se de frio e também para evitar-se mutuamente. Triste. Tudo era triste ali. A morte era triste, mas também era triste a vida.
Do que, afinal, são feitos os laços de família?
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