Mandei trocar os crisântemos por outra flor. Uma flor que
conheci naquele instante. Agora já não me lembro do nome, mas no momento me pareceu importante.
Pessoalmente, não gosto da aparência do crisântemo, nem tampouco do
cheiro. Tadinha da feinha fedida, foi preterida.
Crisântemos me remetem à ideia de morte. Estranho hábito de negar o óbvio, até no mais banal detalhe. De repente, aquela
opinião (de quem já não pode opinar) tornar-se a mais imprescindível.
O rosto enrugado, arroxeado e cansado, quase aflito, pedi para maquiar. Não
ficou uma ruga no seu rosto. Nem mesmo ao redor dos olhos. Fecharam a sua boca
que antes estava aberta. Pintaram-na com um coral suave.
No canto esquerdo da sua
boca havia um pequeno machucado cor de canela, mas sua aparência era de extrema tranquilidade. Minha mãe usaria o adjetivo “serena” (acho que o usou). Minha mãe, uma mulher de
tantos adjetivos, sempre usa o mesmo para os mortos. Acho que por não termos muita
intimidade com a morte, a tratamos de uma maneira formal e usamos, para ela,
sempre os mesmos adjetivos. Serena.
Quando, naquele subsolo escuro e triste, vi sua boca aberta, fiquei com a angustiante impressão
de que, talvez nos últimos momentos, você tenha lutado pedindo para o ar entrar.
Agora penso talvez que sua luta fosse para não deixar o restinho de você partir. Você foi uma lutadora, mesmo quando já não havia vida. Rendeu-se quando já não via motivos para
escapar. Partiu. Quieta. Serena.
As flores, o manto de cetim que cobria suas pernas, o véu:
tudo era branco. Escolha óbvia pela paz. O terço era azul. Estava na sua
cabeceira. Gostaria de saber a sua história. Certamente era sagrado.
Quem o
teria abençoado? Não sei. Queria que fosse um novo, mas não havia tempo. Que
bobagem tentar pintar a tristeza de branco.
Entre suas poucas peças de roupa, insegura, escolhi uma
camisa roxa. Sempre soube da sua preferência pelas cores claras, mas escolhi a
roxa. A insegurança, aquietei. Mandaram-me levar fraldas, sem entender, obedeci.
A morte é um mistério e esta seria apenas uma das coisas que eu não entenderia
naquela madrugada quente, em que eu, misteriosamente, morria de frio.
Havia dois lindos arranjos de flores à sua volta. Um deles
expressava o amor da família, o outro, do esposo que você ainda acreditava ser
seu. O esposo, que já não era seu, sempre foi o mais emocionado durante a
cerimônia. Com você partia também grande parte das lembranças dele. Nem todas boas,
nem todas ruins também. Não foram poucas as vezes que eu o vi recorrendo ao
antigo lenço de pano, para tentar esconder a saudade.
Suas mãos estavam arroxeadas, sofridas, machucadas e seguravam-se ao terço azul.
Mãos pequenas, magras e tristes. Machucadas demais, como todos nós.
No pescoço, restaram alguns pontos de uma última tentativa
de resistência. Procurei esconder fechando o colarinho da sua blusa roxa. Nos últimos momentos tentei dar todo o carinho sincero que
eu achava que fiquei te devendo.
Desculpe se não foi suficiente, nunca é. Desculpa se não fui suficiente, nunca sou. Saiba
que, pelo simples fato de usar usar tailleur caramelo, retocar as sobrancelhas e
nunca deixar cair nada, você é, para mim, digna de muita admiração. Acho que nunca te disse isso.
Fica tranquila. Parte sossegada. Vou tentar cuidar das
coisas que você deixou no caminho.
Talvez não seja tão caprichosa como certamente você seria. Certamente deixarei cair umas peças, quebrarei algumas. Nem, certamente, tão delicada. Mas saiba que vou tentar ficar com um pouco de
tudo o que eu, mesmo sem saber, admirava em você.
Partida de Yara, em 21 de setembro de 2015.
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