Ontém, em meio a arrumações que o tempo disponível tem me permitido, joguei uma peça fora.
Não fui capaz de encará-la enquanto a colocava num saco colorido. Não fui ousada o suficiente para ter colocá-la num revelador saco transparente. Talvez fosse julgada por isso. Certamente seria.
Ela entregou-se silenciosa, quase resignada. Não resistiu. Não argumentou, nem quis se defender do descarte. Não esbravejou, não cobrou a importância da história.
Acomodou-se ao fim. Morreu em paz. Como quem morre no final de muita vida.
O saco, que serviu-lhe de mortalha, era de um elegante veludo cinza. Quase uma vingança ou talvez um último e sofisticado gesto de agradecimento a uma história tão longa e salpicada de alguns momentos plenos de alegria.
Ela estava silenciosa lá há anos. Intercalou momentos de resguardo e exposição. Era uma das peças que dava significado a uma prateleira que agora fica deserta. A vida também é feita de espaços. A prateleira deserta fica agora a espera de uma nova peça, de uma nova história.
Por que será afinal que o vazio incomoda tanto? De onde virá essa necessidade urgente de encobrir as marcas brancas deixadas por peças, por quadros, por pessoas?
Deixo que o vazio respire.
Preciso dele nesse momento.
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