quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Caminhada!
Assim como Clarissa, que quis ela mesma comprar as flores, eu quis, eu mesma, entregar meus brindes de Natal. Andando a pé a gente vê coisas que não vê através do vidro fumê...barulhos internos.
Uma cadeira de rodas numa varanda gourmet. Será que ele (será ele?) se curou e guardou a cadeira na varanda como uma triste recordação? Será que era apenas uma deficiência provisória? Talvez um acidente de carro que lhe rompeu os tendões do joelho esquerdo. Será que ele morreu e a mãe inconformada guarda na cadeira a presença do filho?
Um moça morena de cabelos vermelhos e trançados passeando com um labrador chocolate. Os pêlos do cachorro tinham uma cor assustadoramente parecida com os cabelos da morena. O cachorro fez cocô. Uma montanha gigante de cocô e a morena de cabelos avermelhados recolheu o cocô. Fiquei pensando o que faria com ele. Talvez colocasse no almoço do patrão...pura vingança.
Caminhando lânguida numa calçada esburacada, uma loira alta. Altíssima e olhos pintados de preto. Muito pintados e muito preto. Tinha os cabelos muito loiros presos num coque mal feito no alto da cabeça. Usava shorts muito curtíssimos e uma xale de lã muito preta. Não consegui saber se ela estava com frio ou com calor.
Fui no 213, 8 andar e me mandaram ir no 195, 6 andar. Cadastro? RG. CPF na nota?
Vi duas meninas com os rostos colados numa janela. Pareciam irmãs, talvez gêmeas pela proximidade da idade. Ou talvez colegas do colégio bilingue. Elas me olharam, eu retribuí o olhar. Uma era uma princesa amarela a outra uma princesa azul. Estavam de batom.
Uma moça pequena, com cara de sono passeava com um gato no colo. Talvez ela fosse vocalista de uma banda de música paulista. Talvez tivesse um nome com várias vogais. Talvez tenha ficado até as 4 horas da madrugada tocando na Augusta e por isso estava com sono. Ou talvez não fosse cara de sono, talvez ela tivesse chorado a noite inteira por causa do namorado que mora na Austrália. Talvez ele não volte.
Uma senhora que saía esbaforiga pela porta automática de um shopping com piso de granito. Carregava duas sacolas tamanho gigante. As sacolas tinham estampa de flores feitas de tecido e botões. Talvez fossem presentes para suas colegas de pilates. Ou talvez para as noras que ela odeia mas que precisa agradar para manter as aparências dos almoços de domingo.
Vi um time feminino da Dinamarca. Não sei do que era o time. Elas não tinham joelheiras portanto acredito que não era voley. Todas elas eram muito loiras, muito brancas e muito falantes. Vestiam roupas vermelhas e sorriam.
Estranhei uma moça linda sentada num ponto de taxi. Ela usava um coleta escrito TAXI e tinha uma tatuagem de borboleta no tornozelo esquerdo. Usava Melissas e eu lembrei da minha infância quando eu usava Melissas.
Numa padaria apertada peguei, direto na geladeira, uma Fanta Laranja. No caixa, uma senhora portuguesa com grandes brincos me disse que era R$ 4,90, depois se desculpou constrangida dizendo que havia se enganado que era apenas R$ 3,90. E que 4,90 era o preço do Gatorade. Fiquei feliz por ter escolhido a Fanta e não o Gatorade. Não gosto de Gatorade de Laranja. Só de limão. Mas dizem que faz mal para quem tem tendência a ter cálculo renal. Eu já tive cálculo renal. Dói.
Tem cadastro? RG por favor. Qual andar? Falar com quem?
CPF na nota?
Percebi que todo mundo andava olhando seus IPhones, IPads, Iqualquer coisa. Muitos carregavam envelopes. Alguns malas de rodinha. Alguns simplesmente andavam de cabeça baixa. Presos nos seus barulhos internos. Eu caminhava com meus sapatos baixos e muito calor.
Um grupo de freiras barulhentas atravessava a rua. Elas estavam de mãos dadas. Seriam fugitivas da Irmã Bernadete?
Muitos motoboys carregavam sacolas de brindes. Como eu.
Uma kombi entregava flores numa loja. A loja não era de flores. Era de óculos. Não vi para quem eram as flores. Talvez para a Ana. Flores enviadas pelo Marcelo em agradecimento ao espetacular jantar de ontem. Ou talvez fossem para a Bia, enviadas pelo Guto. Um pedido de desculpas. Ou talvez para o Flávio, enviadas pelo Rogério, com uma linda declaração de amor. Definitivamente as flores tinham cheiro de romance. Estavam embaladas em papel violeta.
Aline, do 195, 6 andar nao quis me conhecer. Já me acostumei a este tipo de rejeição e a todos os outros também. As vezes sinto um frio na nuca, mas passa. Sempre passa.
Vi uma pomba agonizando no canteiro central. Virei o rosto. Ouvi dizer que pombas são monogâmicas. Fiquei compadecida pelo seu companheiro. Deve ser triste ser um pombo solitário. Envelhecer sozinho numa cidade como São Paulo.
Uma moça, muito baixa e vestida de macacão cinza perguntou se eu era de escorpião. Eu respondi que nao. Ela falou que o marido dela era, mas que era moço bom.
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Muito, muito bom.
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