quinta-feira, 22 de julho de 2010

6:08, é o que os caracteres vermelhos marcam no fundo preto do visor. Mariah, silenciosamente, lamenta os 2 minutos que, diariamente, o hábito lhe rouba de sono. Estica um pouco o braço e aperta o botão que silencia o aparelho - faz isso como se calá-lo fosse uma vingança.

Apesar da maravilhosa noite de sono, desperta sentindo o corpo dolorido e, especialmente, cutucado por espetadinhas de adrenalina.

Esta manhã sentia-se inesplicávelmente animada. Talvez apenas resquícios de um sonho bom. Sempre teve dificuldade em lembrar dos seus sonhos, principalmente dos bons. Agradece pela noite de sono e lembra dos fortes calmantes de apenas alguns meses atrás. Sente-se satisfeita pelo rumo que sua vida tinha tomado, apesar de todas as dificuldades, tudo caminhava bem.

Admira a filha que ainda dorme profundamente ao seu lado. Alguns cachos dourados desenhados no travesseiro. O rosto lindo completamente relaxado sem qualquer indício de tensão ou medo. O sono tranquilo que só quando se é criança se pode ter. Sentiu-se ligeiramente culpada por não ter tido força suficiente para tê-la mandado para o seu quarto na noite anterior e ao mesmo tempo lamenta que isso não duraria para sempre. Logo ela não irá mais querer dormir na sua cama. Não lhe contará seus segresos. Não lhe fará desenhos à guache.

Na ponta dos pés descalços, caminha até o banheiro e abre a torneira para que possa ter um banho de água bem quente em poucos minutos. Confere o corpo no espelho, lamenta não ter sido mais assídua nos exercícios físicos ao longo da vida. Caminha pela casa que começa a ser invadida pelos primeiros raios do dia e desfruta um pouco dessa sensação de reinício. Através das grandes janelas da sala vê o vermelho do sol nascente por trás do contorno das árvores. Todas as manhãs, isso é para ela , a maior obra de arte que se pode ter numa sala.

Sorri da garrafa de vinho da noite anterior e fica satisfeita com o hábito mantido. O vinho, o bate papo e uma música no fim de um dia, eram como uma recompensa merecida. As rolhas se acumulavam nos grandes vidros ao lado do sofá, no prato sobre a mesinha, em potes e cachepos, como recordações de cada celebração.

No silêncio do seu banho matutino, planeja alguns passos práticos do dia enquanto permite que a água quente lhe caia nas costas. Percebe joelhos e cotovelos castigados pelo rigor do inverno. Deseja que o rosto tenha menos manchas. Confere quatro fios de cabelo brancos no alto da cabeça. As rugas no canto dos olhos continuam as mesmas e ela continua não acreditando em cremes anti-sinais.

Pouca maquiagem para deixar a pele mais uniforme. Preto nos olhos para destacar o olhar. Veste-se, no escuro, como faz todos os dias. Escolhe as argolas, os sapatos altos de bico fino, uma echarpe sobre os ombros. Bolsa, pasta de papéis, celular...dá apenas 1 volta de chave na porta e chama o elevador. No espelho confere melhor a aparência e não fica insatisfeita com o resultado. Apesar de tudo, a vida havia lhe sido bem generosa. Deixa que um sorriso espontâneo lhe marque uma covinha no rosto.

No carro, gasta alguns minutos a mais na escolha de uma música especial. Acredita que a música pode imprimir um ritimo especial ao dia, não sabe bem porque, mas sente que aquele dia é um capítulo de uma história muito especial.

Todos os dias quando sai da garagem escura sente-se particularmente brindada pelo sol. Hoje ele lhe parece ainda mais divino.

Na loja de conveniência habitual do seu café da manhã, o display de livros e revistas lhe chama particular atenção. Entre todas as publicações, a que salta aos seus olhos é a última edição da revista Viagem. Veneza era o Destino do Mês. Veneza nunca tinha sido para Mariah a primeira opção na Itália. Sempre a óbvia Roma, mas hoje sem entender bem o motivo, se sente irresistívelmente atraída por Veneza.

"Sim, Veneza! Por que não?"

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