sábado, 13 de novembro de 2010



Ainda ontém a vó escolheu o feijão na mesa da cozinha de azulejos amarelos enquanto moeu o pão torrado em farinha.
A mãe fez um bolo de noiva do tamanho de uma porta e o enfeitou-o com mágicas fitas de coco. Ainda ontem o vô gigante andou as voltas com latas de tinta e cimento, dias e dias a construir uma nova parede.
Ainda ontem subimos na cerejeira e deixamos que ela manchasse nossas roupas.
Ainda ontem comi torradas de pão francês com geléia de morango.
Ainda ontem furei minhas orelhas e virei mocinha.
Ainda ontem colei bolinhas de papel crepom no desenho da coruja.
Voei pendurada no salgueiro do pátio da escola.
Ainda ontem sujei minhas mãos tentando prender a corrente da bicicleta azul.
Ainda ontem escrevi uma carta jurando amizade eterna para minhas melhores amigas.
Ainda ontem brinquei com os primos atravessando o portão secreto que une os dois quintais. Ainda ontem chegou em casa o primeiro aparelho de telefone.
Ainda ontem me tranquei com a prima no quarto verde e prendi meu dedo no balanço.
Ainda ontem sonhava em ser arquiteta, fotógrafa e filósofa.
Descobri que meu pai não era o super homem e que eu não queria ser minha mãe quando crescesse.
Ainda ontem nossa casa tinha apenas um banheiro, papel de parede com flores e carpete marrom. No quarto da mãe tinha um espelho mágico e gigante.
Ainda ontem a irma mais nova chegava embrulhada num chalé de crochet.
Ainda ontem eu acreditava que o Papai Noel fosse atender a todos os meus pedidos, pois eu era uma boa menina.
Ainda ontem acreditava que o futuro seria a simples realização dos meus sonhos.
Ainda ontem senti medo e segurei na mão do meu pai.
Ainda ontem a vó botava o feijão no fogo...

dezembro 2009

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