segunda-feira, 12 de março de 2012

"De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma idéia própria, ser terminantemente "como todo mundo". Ter riqueza, mas não do tipo Rothschild; a família é honesta, mas nunca se distinguiu por nada; aparência boa, mas muito pouco expressiva; boa instrução, mas não sabe em que empregá-la; tem inteligência, mas sem ideias próprias; tem coração, mas sem magnanimidade et. etc. em todos os sentidos. No mundo existe uma infinidade extraordinária de pessoas assim e até bem mais do que parece; como todas as pessoas, elas se dividem em duas categorias principais: umas limitadas, outras "bem mais inteligentes". As primeiras são mais felizes. Para um homem "comum" limitado, por exemplo, não há nada mais fácil do que se imaginar um homem incomum e original e deliciar-se com isso sem quaisquer vacilações. Bastaria a algumas das nossas senhorinhas cortas os cabelos, pôr óculos azuis e chamar-se de niilistas para se convencerem imediatamente de que, de óculos, elas passariam imediatamente a ter suas próprias "convicções". A um bastaria apenas sentir no coração um pinguinho de algo derivado de alguma sensação humana e boa para logo se convencer de que ninguém sente como ele, de que ele é avançado em seu desenvolvimento. A outro bastaria adotar em palavra algum pensamento ou ler uma paginazinha de alguma coisa sem princípio nem fim para acreditar imediatamente que esses "são seus próprios pensamentos" e brotaram do seu próprio cérebro. O descaramento da ingenuidade, se é que se pode falar assim, chega ao surpreendente nesses casos; tudo isso é inverossímil, mas se encontra a cada instante.
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O problema é que o homem "comum" inteligente, ainda que de passagem (e talvez até durante toda a sua vida) tenha se imaginadao um homem genial e originalíssimo, mesmo assim conserva em seu coração o vermezinho da dúvida, que chega a tal ponto que o homem inteligente às vezes termina em absoluto desespero; se fica resignado, já o faz totalmente envenenado pela vaidade interiorizada."
(O Idiota - Dostoievski)

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