O sonho frustrado. O braço parado. O futuro questionado. O
carro enguiçado.
Meu pai teve um AVC.
A frase fica voando em uma nuvem em um fluxo confuso de consciência
não literária, mas fantástica. Não parece que essa vida seja minha. Sonho?
Papel trocado?
O dito não encontra lugar na nuvem nem na vida. Fora de
contexto.
Meu pai teve um AVC.
Já me imagino mudando o discurso do meu histórico familiar
na minha consulta médica. Um sim invadindo uma coluna de habituais nãos. O
passado mudando o futuro. Encruzilhada de vida.
Ele teve um AVC. Agora sonha ir para Portugal.
Nunca sonhou antes? Ou o AVC liberou o sonho esquecido?
Agora, sonha, com cadeira de rodas e tudo mais. Cadeira de
rodas e ladeiras de Lisboa?
Cadeira de rodas e ladeiras de Lisboa. A melhor metáfora
para minha realidade atual.
Desgovernada, com pouca habilidade, em uma cadeira de rodas
solta na íngreme realidade que a vida impõe. Implacável.
Na descida desgovernada, meio sem saber em que muro vou
parar, me divirto, rio.
Não é de mim. Mas talvez seja para mim.
Passo as noite de chinelo, esperando o chamado confuso dele.
Ele faz perguntas. Mistura passado, com presente com
delírios de todos os tempos e dimensões.
Comemoramos pequenas conquistas. Unidos.
Sabe quem sou. Sabe quem somos. E sabe o que é o amor.
Sempre soube.
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