segunda-feira, 11 de junho de 2012

de valter hugo mae (assim mesmo, em minúscula)

Esse é o homem!

essa é a obra!
O que a obra provoca.
............
De tempos em tempos cai no colo da gente uma obra, um autor, um personagem....há pouco tempo me caiu no colo tudo isso junto.
Ele surgiu, a princípio, como uma opção desconhecida no Nosso Clube de Leitura. Talvez pela concorrência fraca dos demais títulos, acabou sendo o escolhido. O livro, àquela altura, era "a máquina de fazer espanhóis" de um autor, até então, desconhecido para nós.
Mas que escritorzinho mais atrevido. Não respeita as regras de pontuação, vejam só. Cadê as maiúsculas do texto, mas que absurdo.
Como tudo que corre o risco de transgredir, a obra transcendeu. Enfeitiçou. Essa é a palavra. Fiquei enfeitiçada.
.......
Numa sentada, como dizem, lá se foi "a máquina de fazer espanhóis". Tão linda, tão real, tão melancólica e suave ao mesmo tempo. Teve o poder de me fazer gargalhar em risos e choro.
Apos a leitura, a surpresa maior. O autor tinha a minha idade. Como assim? Uma pessoa de 40 anos escrevendo as dúvidas, tristezas e saudades de um velho de 80??? Como assim???
Um tempo depois, num encontro na Livraria da Vila, ele explicou que tem nele todas as perguntas de um homem de 80 anos. Só ainda não tem a necessidade urgente de respondê-las.
Após o encontro do grupo de leitura, ficou a angustiante sensação de quero mais. Queríamos mais. Entre trancos e barrancos de agendas, conseguimos encontrar um tempo nas manhãs dos nossos sábados e lá fomos nos, sentindo-nos meio extra terrestres, lançadas aos nossos "Saraus valter hugo mae". A obra agora, que tornar-se-ia nossa Bíblia, seria "O filho de Mil Homens".
Que delícia de encontros. Com valter. Com a obra. Com as outras. Com a gente mesma!
....
Abaixo alguns dos trechos dos tantos que nos arrancaram suspiros durante a leitura.
..............
"Pra dentro do homem o homem caía"
"Queria dizer meu filho, como se a partir da pronúncia de tais palavras pudesse criar alguém."
"e dizia que os amores lhe tinham faltado, mas que os amores não destruíam o futuro."
"Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende."
"A natureza, quieta a ser só inteligente e quieta, não disse nada, nem o Crisóstomo esperaria ouvir uma voz. A esperança era uma coisa muda e feita para ser um pouco secreta."
"Amar era feito para ser uma demasia e uma maravilha"
"Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz."
"O homem que chegou aos quarente anos sorriu, e aquele sorriso já não era o mesmo do dia anterior. Já não era como nenhum outro do passado. Era o dobro de um sorriso."
"Mais as árvores, que ficavam quietas sem fazerem nada, só o barulho no inverno e a fruta no verão. Sem medo. As árvores mostravam apenas a espantosa paciência."
"Não era mulher de reclamar grandes atenções, e por isso não retinha nada de especial. Era como aproveitar o amor possível. O amor dos infelizes."
"Sentia que, se o filho vingasse, a sua vida valera a pena. Curava-se da tristeza e prosseguia no insondável que os filhos são. Os filhos, dizia, levam dentro famílias inteiras."
"A vida fazia-se à revelia da felicidade."
"A Isaura caminhou a sentir-se assim, perplexa e vazia, como se não fosse ninguém, apenas encantada percepção do que há no mundo."
"Era uma mulher carregada de ausências e silêncios. Para dentro da Isaura era um sem fim e pouco do que continha lhe servia para a felicidade. Para dentro da Isaura a Isaura caía."
"O passado não corre. O doutor pensava o contrário. Pensava que o passado tinha pernas longas e corria, sim, e muito, como um obstinado a marcar a sua presença, a sua herança. O passado é uma herança de que não se pode abdicar."
"Ensinava-lhe que era uma pena a falta de leitura não se converter numa doença, algo como um mal que pusesse os preguiçosos a morrer. Imaginava que um não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem o colesterol a matá-lo, se continuar assim não se salva. E o médico perguntava: tem abusado dos fritos, dos ovos, você tem lido o suficiente. O paciente respondia:não, senhor doutor, há quase um ano que não leio um livro, não gosto muito e dá-me preguiça. Então, o médico acrescentava: ah, fique pois sabendo que você ou lê urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas semanas. O caixão fechava-se como um livro. O Camilo ria-se. Perguntava o que era o colesteral. e o velho Alfredo dizia-lhe ser uma coisa de adulto que o esperaria se não lesse livros e ficasse burro."
"Ser o que se pode é a felicidade."
"Vinha do hospital. Talvez pensasse que a vida era curta. Demasiado breve para tanto procurar. Melhor seria se aceitasse o que havia como bastante. A felicidade podia definir-se assim. O bastante."
"Ela perguntou: o boneco tem nome. Ele respondeu: nao. Ela disse: que sorte, assim não precisa de ser ninguém. Quem não é ninguém não lhe falta nada. Nem lhe falta o amor, nem espera por nada."
"Pode não ser mentiras, mas apenas uma maneira diferente de acreditar."
"As pessoas eram assim mesmo, feitas de imprudências. Olhe, dizia a Rosinha, quem sabe se a imprudência é a felicidade."
"Achava que tinha um filho que era um certo deficiente do amor. Padecia de uma loucura dos sentimentos. Dizia por imprudência o que não tinha de dizer, não devia sequer acreditar naquilo."
"Se não esperarmos nada, dizia ele, tudo quanto existe é já abundância."
"Crisóstomo então levantou-se, atravessou o quarto, saiu, foi ver o Camilo deitado e beijá-lo para dormir e disse-lhe: nunca limites o amor, filho, nunca por preconceito algum limites o amor. O miúdo perguntou: porque dizes isso, pai. O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és."
"Assim se ia calando, encostando sempre as dores aos móveis, frequentemente permanecendo apenas deitado, esperando."
"Mas quando se soube, estava lá, metida numa caixa, arrumada de flores e perfumes para fazer de conta que a morte era uma coisa bonita."
"Elevou as mãos num abraço e não contou mais pelos dedos se seria demasiado velha para aquela alegria esquisita, para aquele compromisso grande, para a abundância imposta por amar-se uma filha. Era necessária uma abundância de tudo, matéria, espírito e idade, para regressar a tempo de educar alguém. Não quis contar, nem pelos dedos nem por alto, o quanto arriscava com aquele sentimento, o quanto se vulnerabilizava, talvez tola, por uma esprança nova de voltar a ser mãe."
"Ela nunca fora amiga de ninguém. Vivera encurralada entre os pais, o gato, as hortaliças e o amor dos infelizes."

Nenhum comentário:

Postar um comentário