quinta-feira, 12 de agosto de 2010



Naquela época mãe era mãe, mãe não era amiga, e isso não era exatamente ruim. Não era amiga, mas era mais mãe do que somos hoje.
Naquela época, os amigos eram reais e não virtuais. Fazíamos roda de conversa e não redes de relacionamento. No dia do aniversário, a gente se reunia, comia bolo e cantava parabéns...ainda não existia e mail.
Naquela época, as lojas não abriam aos domingos. Domingo era dia de ir na madrinha. O pai parava na banca de jornal da praça para comprar o "Estadão", enquanto a mãe ia ao caminhão de frutas comprar uma melancia ou um sacão de laranja bahia. A madrinha fazia lazanha com frango assado (a casquinha grudava na assadeira e isso era delicioso) e a vó...ah, a vó...fazia aquele bolo mesclado com aquela casquinha durinha. Era dia da criançada brincar de queimada e barra manteiga no quintal e voltar dormindo para casa. A gente sonhava com a "Beijoca", mas a prima mais velha não deixava nem chegar perto.
Os supermercados, que ainda não eram "hiper", só abriam de dia e os sacos eram de papel, muito usados inclusive por pintores de parede.
Não pagávamos estacionamento nos shoppings. Quase ninguém tinha carro zero e nem carnês com 60 parcelas. As pessoas tinham cadernetas de poupança e também de "mercearia".
Comíamos doce de banana dentro de casquinhas de sorvete. Fruta do pé. Chiclete só tinha de tutti-fruti ou hortelã, mas já tinha figurinha.
Os telefones não tinham teclas. Tínhamos que colocar o dedo e rodar o disco...era triste quando o número do telefone tinha o número zero.
As TVs não tinham controle remoto, mas também nem precisava, tínhamos apenas quatro canais. Ainda não existia a Internet. Já existia a Barsa e a Coleção Conhecer.

dezembro 2009

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Eu nunca achei que seria mãe. Na infância nem gostava tanto de brincar de casinha. Tinha certeza que havia nascido sem o tal "instinto materno",o tal dom mágico que surge como que por um milagre em toda mulher praticamente na hora do parto.
Tenho sérias dificuldades em administrar os "porquês" e "bicos" de Maria. Nem sempre, ao final do dia, tenho a paciência necessária para recortar palavras começadas com "gue" e "gui". Eu definitivamente odeio "Cartoon Networks" e os sapatinhos da "Polly".
Não sei como explicar a ela que simplesmente, por mais incrível e inacreditável que isso possa parecer, não posso comprar tudo o que ela deseja. Eu nem sei como ela consegue desejar tudo o que ela deseja.
Não sei o que dizer quando ela vem reclamando que as suas "costas estão coçando". Sinto nestas queixas um certo ar de acusação, como se eu tivesse culpa de ter gerado um ser que pode sentir coceira nas costas.
Não consigo ficar indiferente às suas "precoces crises de adolescência" e isso torna as tais crises ainda mais freqüentes e eu ainda mais intolerante.
Tento, o tempo todo, ferozmente, resistir a tentação de resolver os seus problemas, esclarecer todas as suas dúvidas, elevar sua auto-estima, espantar seus fantasmas. Nesses momentos me sinto o ser mais impotente e incompetente do planeta.
Entenda, ainda outro dia eu era uma menina mimada e bicuda que vivia com coceira nas costas.

setembro de 2008

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Apesar de convivermos há tanto tempo, hoje descubro que sei muito pouco de você. Te culpo pelas conseqüências que hoje carrego de decisões que você não tomou; te culpo também por algumas decisões que tomou. Te culpo pelos milhares de cursos que você começou e não concluiu. Por não falar outro idioma. Ser limitada intelectualmente e ter péssima memória para nomes e datas. Te culpo por essa insegurança que te faz refém de eternos sins, para todo mundo, o tempo todo. Te odeio por você nunca ter tido coragem de pegar um avião sozinha e passar um dia no Rio de Janeiro. Te culpo pelas dores de dente que tenho hoje, o motivo? É óbvio que você sabe qual é. Te culpo pelo seu senso de humor descalibrado e descabido e pela sensação ridícula que você tem de que isso a torna popular. Odeio sua mania irresponsável de abrir sua vida a todos indiscriminadamente. Odeio o talento que você adquiriu de conviver com pendências. Queria que você pudesse pensar, falar e fazer uma coisa de cada vez, quem sabe as coisas não sairiam mais bem feitas desta forma. Odeio sua incapacidade de comer apenas um Bis, um Mentex, de tomar um café, uma cerveja. Odeio sua incompatibilidade com a moderação. Odeio os quilos que você ganhou e hoje sou obrigada a carregar. Odeio a forma que você provoca e foge de fortes emoções. Odeio sua postura simpática e polida. Odeio o fato das pessoas não perceberem o quanto você pode ser calculista. Odeio sua mania de organizar a vida em caixas. Odeio sua incapacidade de esperar. Odeio a forma como você trata sua família. Te odeio pelo tempo da minha vida que você perdeu cuidando de negócios. Odeio sua incapacidade de alimentar planos a longo prazo. Te odeio por ter-se deixado apaixonar perdidamente e ter permitido que isso virasse sua vida de cabeça para baixo. Odeio ter consciência de que, apesar de conviver com você a cem mil anos, sou incapaz de prever seu próximo passo.

postado originalmente em novembro de 2008