quinta-feira, 24 de novembro de 2016

as próximas páginas depois do meio da brochura

Em dezembro de 2011, às portas dos quarenta, eu escrevi este texto:

http://cochichodemaria.blogspot.com.br/2011/12/o-meio-da-brochura.html


Tenho uma expectativa (otimista) de viver até os 80. Estou, portanto, chegando ao meio da brochura. Não sei se relacionado a esta constatação ou não, mas fato, tenho tido dias de tênue depressão (ela me cercando e eu dormindo para escapar dela).
Folheando as que seriam então as 40 primeiras páginas não consido encontrar muitas que mereçam um post-it de marcação. Tive poucos momentos dignos de um post. E isso fica mais do que óbvio pela regularidade de postagens neste meu tão abandonado blog. A vida "das pessoas" sempre me parece tão mais interessante que a minha...
Levando em consideração o fato de que, as folhas entre os 20 e os 30 deveriam ter sido as mais agitadas, entro em pânico. Pois, a tendência é que as próximas sejam ainda mais irrelevantes.


e agora, cinco anos depois, como foram as próximas páginas?

perdi 30 quilos. certamente as certezas que abandonei ao longo dos últimos anos pesavam. passei de loira à ruiva, opção menos óbvia e mais excêntrica (uma liberdade). abandonei certezas, adotei dúvidas como parte construtiva (e divertida!) da vida...abri novas portas, descobri novas estradas.

minha biblioteca se multiplicou...mais e melhores...pesam nas prateleiras e nas minhas decisões. ainda luto por descobrir Pessoa. Mia virou uma amor eterno. Florbela, Clarice, Jane Austen....hoje, sou um pouco todas elas....

me descobri liberta...abandonei os grilhões. descobri que a Hebe é legal e será eterna. entendi que não preciso herdar os ódios maternos. criei meu próprio gostar. abracei a irmã incompreendida e hoje a rebelde sou eu.

abandonei os antigos ternos pretos que me faziam invisível. ganhei óculos vermelhos que me destacam. hoje vivo meus dias caçando erros, imperfeições...aprendi com isso a lidar de forma mais leve com os meus próprios. vejo meus defeitos como pontos vermelhos no meu ser antes tão sem cor. sei que sou um ser em construção e planejo cada tijolo

me rendi aos bojos avantajados dos sutiens ousados...e belos...às calcinhas fio dental...sou mais sexy hoje. alguém percebeu isso?

 descobri que andar nas calçadas espiando o interior dos quintais pode ser divertido. ler nos meus trajetos. observar as pessoas do metrô. descobri que gosto de gente.

Jeneci é uma conquista recente. Menage a trois também. sim, transei com uma mulher...e foi bom.


terça-feira, 4 de outubro de 2016

sem que nem porquê

há alguns dias morreu um ator global. quando morreu, era protagonista da novela das 9h, o que equivale no Brasil, a ser praticamente da família real. a novela era gravada na regiao do Rio São Francisco. quase no fim da novela, galã nadava no rio com a mocinha e o rio o engoliu. assim. sem que nem porquê.

há alguns dias, também, Andréa morreu. tudo deveria ter dado certo na vida dela. era linda, estudada e loira. casou, mas o marido cansou. ela ficou sozinha. na quinta-feira, no trabalho, coração falhou e ela morreu. assim. sem que nem porquê.

eu, em tempos de planos a longo prazo ameaçados, fiquei pensativa. o longo prazo é só a soma de dias e dias e mais dias. só isso. nada mais. no meio do longo prazo pode sempre aparecer um rio ou um coração. sem que nem porquê.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

eles comemorando a vida



de quando em quando, penso no blog abandonado, porém, jamais esquecido. são tantas as coisas que acontecem, mas nada de espetacular que mereça holofotes de celebridade, será?
a vida acontece em cores. aos domingos. na fresta de sol. nos sorrisos impagáveis deles. nas comemorações sem motivo. no quebra-cabeças.
a vida também envelhece. vai ficando quieta, rabugenta, solitária e cada vez mais preguiçosa...
de um lado ela pulsa, do outro, ela esmaece...vai perdendo a cor, desbota.

o amor continua amor. cada vez mais amor. cada vez maior e mais tranquilo. acomodado, paciente, tolerante e lindo. o amor eterno pintado em cores de eternidade.

eles crescem. os três, juntos. ontem, um deles comemorava na varanda - nem me lembro exatamente o que - e os outros dois ouviram. de repente, a correria e a tripla comemoração. do quê? mas o que isso importa? eram os três, de braços para o alto, comemorando!!!! e nós, em volta, nos emocionando.

eles ensinam o tempo todo. temos mesmo que esperar motivos para comemoração?

terça-feira, 22 de março de 2016

mais que eu

você já se sentiu como se a vida não coubesse na sua vida?
já desconfiou que houvesse mais da vida escondida em algum armário secreto?
você já quis olhar a vida do alto de um balão, sem destino e devagar?
já quis redesenhar o passado?
já quis não planejar o futuro?
você já quis trocar de roupa no meio do dia?
já quis tirar a roupa e desfilar nu de verdades?
você já quis mais do que você?
já desejou mais do que eu?
você já quis fugir?
já quis não ir?
você já se procurou em outra história?
desejou olhar por outra janela?
escrever outro livro?
ser outro personagem?

eu já!

terça-feira, 8 de março de 2016

dia da mulher?

as flores são fotografias com filtro
as flores não cheiram mais
as homenagens virtuais são fartas, mas falhas

falta

falta sua

no meio do dia, cresce a falta
a falta de quem falta
só a falta existe
só a falta é presente hoje

quanto falta algo em alguém
você faz falta

falta dos nós
dos nós de nós

falta o tudo
falta o não falar nada e falar tudo
falta o ponto final ... 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Relatos de felicidade



ela é uma
eles, três
ela chega e nem as rugas e a cara nem sempre simpática os assusta
ela chama, eles vêm
vêm e sentam
sentam e contemplam
no sotaque arrastado, ela ainda conta histórias que lembra da distante infância
eles assistem
assistem quietos
curiosos e quietos
carinhosos

na porta da casa da mãe, aos domingos, sempre tem uma fresta de sol vespertino e reconfortante.
a gente almoça, come bolo preto e branco...toma café na xicrinha de ágata
aí a gente senta no degrau
num momento desses, de fresta e de degrau, eu vi a cena
a tecnologia - muitas vezes injustiçada - permitiu-me o registro
registro de emoção

em breve, ela vai embora
eles ficarão
a cena, para sempre

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

E agora, Benedito?

O personagem errou o texto.
O cenário desbotou.
A música entrou na hora errada.
E agora, José?

Meu roteiro era perfeito. Previsível e amarradinho.
Mas por que, afinal, Benedito, você foi errar o caminho?

O céu devia estar azul.
Quem pintou essas nuvens aí?
Onde foram parar meu arco-íris e minhas gaivotas?

Maria que amava João que amava Ana...se casava no final.
Ana iria morar em Portugal.
Mas Maria chora sozinha...onde foi que você errou, Maria?
E José, para onde foi?

O avesso do bordado tá todo emaranhado.
Caixas fazem pilhas instáveis nos armários.
As roupas estão amarrotadas e já não se abraçam.

E agora, Benedito?