quarta-feira, 30 de maio de 2018

nãos

a vida é cheia de não
não corre
não vai embora
não
não exagera
não modera
não
não se esconda
não se mostre
não pinte a boca
não fale alto
não cale
não

tempos de nãos
mas tempos de sins

segunda-feira, 12 de março de 2018

a vida é tão clichê


marília, eu não te conheci. talvez de vista, comendo um enroladinho de queijo e presunto na padaria. certamente admirei seus cachos românticos - e, ironia, hoje sei que você não era nada romântica.

seria o tipo de pessoa que nunca chamaria minha atenção de forma positiva. faz parte de um grupo que faço questão de blocar como 'antipático'. as tais professorinhas....

mas a morte te pôs no palco. na corda. na luz. a morte te levou como leva a tantos. prematuramente? injustamente? sem dar satisfação.

adeus, marília.

terça-feira, 6 de março de 2018

quando descobri que não era a melhor

quando eu tinha uns 11 anos, em um jogo de handball, descobri que não era a melhor do mundo. até aquele dia, tinha sido.

minha família morava na melhora casa. meu pai desenhava jesus cristo. minha mãe tinha um carro de quatro portas azul turquesa. eu era a melhor aluna da escola. todos e todas queriam ser meus melhores amigos.

naquele maldito jogo, a implacável professora acabou com a minha invencibilidade perante a vida.

'- eu vou ser a atacante.'
'não. não vai.'
'não? por quê'
'porque a rita é a melhor.'

emudeci. recalculei a rota da vida....e segui.

saudade da Monga

devia ser década de 80 e eu devia ter 8 anos. eram férias e estávamos na casa da Penha. a cada tinha uma bancada de pastilhas amarelas na cozinha. a casa ficou jovem para sempre. Penha tem Alzheimer, não lembra de nós nem da casa ou das pastilhas.

passeio de pobre, férias na casa da Penha e passeio noturno à feirinha, lá fomos nós. eu era a mais velha, naturalmente mais corajosa, de todos os primos. a Monga era uma gorila assustadora que surgia dentro de uma jaula. diziam - nunca vi (deus me livre) - que era um truque de espelhos que fazia uma mulher transformar-se numa gorila. nunca entendi como acontecia aquilo nem o que era show de mágica. mas tudo bem, há coisas bem mais importantes que eu também nunca entendi.

tive medo. não entrei. disfarcei. desviei. (fiz isso outras vezes também ao longo da vida). à noite, quando o silêncio torna as verdades mais evidentes, tive enjoo. na infância, medo chamava enjoo. continuou chamando depois. no meio da madrugada, cutuquei a mãe. mãe de três, nem se assustou, sempre tinha alguém cutucando. 'tô com enjoo' - 'deita de bruço que passa' - acatei. deitei. não passou.

outra vezes na vida. bem depois dos 8. tive enjoo. deitei de bruços e não passou. mãe continua dizendo que vai passar. continua não passando. deito de bruços. deito de costas. olho do lado e a Monga continua lá. não passou. não passa.

saudade da Monga.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

assistindo a algumas pessoas assistirem a um show?


como muitos da minha geração, ouvi Phill Collins a vida toda. sempre achei que ele tinha cara de gente boa. de um cidadão comum que poderia, facilmente, morar no meu condomínio.
não acompanho de perto agendas de shows, mas não lembro de ele ter vindo antes fazer show em São Paulo. quando soube deste, manifestei vontade de ir. meio que só para marcar no check-list de coisas para fazer antes de morrer.

cheguei. sentei. um palco distante. um show de entrada. várias moças da minha idade (que sempre acho que mais velha) felizes, dançantes, loiras e tirando selfies. ando intolerante. muito intolerante.
o valor dos dois ingressos se aproxima do custo de um salário mínimo. vocês, aqui, sabem que minha vida não é fácil e que fortes vendavais aterrorizam no horizonte.

o que eu estava fazendo ali?

muitos efeitos especiais (talvez um pouco demais). ele cantou (ok!). músicos tocaram (!). a platéia cantou, dançou e, sobretudo, tirou muitas selfies para postar no facebook.

eu chorei, mas não sei se foi de emoção.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

um dia ela nasce, no outro, ela vai embora


nunca fui modelo de apego de mãe. quem me conhece sabe disso.
não sabia bem o que fazer com você (nem comigo) quando você nasceu. não sabia ser mãe, ninguém me ensinou. não estava preparada para crescer e assumir um papel tão importante. antes já haviam me dito que eu fugia de grandes responsabilidades. este fato só colaborou para provar isso.

você foi crescendo, apesar de pouco, cresceu. eu vivendo, trabalhando, sem ter muito tempo para prestar atenção nas suas birras e independências. hoje, você me surpreende. é mulher forte. 1,50 cheio de opiniões e ideias. realista. surpreendente e linda!

em uma foto bem sem graça, você está meio desenchavida de uniforme escolar indo para seu primeiro dia de aula em uma grande escola (média talvez). a maria chiquinha meio torta de mãe que não tem tempo. all star vermelho que depois seria sua paixão para sempre. uma parede branca atrás. parede brande de uma casa que ficou para trás, fechada e cheia de tristes histórias. você, de saia azul marinho protocolar, em frente da parede branca.

milênios se passaram depois desta foto, depois desta parede.
nesta semana, você caminhou sozinha para a maturidade. psicologia por escolha própria. a minha seria arquitetura, mas você teimou que não enfrentaria a bendita matemática. resignada, aceitei.

aí está você entrando. um portão grande e você pequena. não veja sua mão, mas veja sua cabeça erguida. não pior que ninguém. menos medo que eu (certamente). passos cuidadosos (sempre foram os seus). firme.

você talvez nunca saberá o orgulho que tenho de você. ou sabe e eu que não sei?

te amo. vou ficar aqui te olhando entrar pelo portão...sempre!