quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Envelhecer

...de Ivan Angelo...a respeito do Envelhecer....

"Percebes as perdas; mas a sabedoria que vem com elas impedirá gura e te encaminhará, se fores esperto, para o humor.
Observas teu corpo, notas que já não gozas de tantos privilégios, aquela visão, a audição, a agilidade, a memório, o racicínio, o equilíbrio, o olhar interessado das moças.
Sentes dificuldade de te equilibrar sobre um pé só, para vestir as calças, por exemplo; já não dá para galgar correndo os degraus do ônibus. Paciência. Principalmente para quem vem atrás: paciência.
O humor te salva. Comparas teu corpo com o automóvel que não trocaste: os faróis perdem luminosidade, a suspensão e os amortecedores começam a socar, osso com osso, o motor faz barulhos suspeitos, a bomba de combustível perde pressão, a bateria cai e não dá aquela partida, o óleo vai ficando ralo, as cores da lateria tornam-se pálidas, aparecem manchas, riscos...
O que mais se perde é a pressa, e o perdê-la é um ganho. Ganha-se o fruir, o tempo da degustação. Uma fruta já não é só alimento, é sumo, é açucar, é sorver, como na infância.
A sombra torna-se merecimento, deixar-se estar, sem ter de forçosamente abreviar aquele desfrute. Doce, nem precisas de muito, o pouco rende, vai demorando-se no céu da boca, continua rendendo pelas artérias.´
Andar não é tanto a obrigação de chegar, é flanar. E amar já não é uma batalha, é rendição - de arma pronta, porém.
Nem tudo é perda, aprendes. Melhoram a ponderação, o juízo,  paciência, o paladar, a noção de convivência, a noção de tempo. Quanto menos tempo te resta, mais avaro o aproveitas."

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Medo


eu lembro de sentir muito medo quando era mais nova
tinha medo de errar
medo de não atingir meus objetivos
medo de aparecer demais
medo de desaparecer
de não conseguir descobrir quem eu era
medo também de descobrir quem eu era e não gostar da descoberta
hoje, andando pela faria lima, descobri que tenho poucos medos
não tenho medo da cidade que se mostra violenta na estatística
não tenho medo do motoboy suspeito que passa ao meu lado
com um skate na garupa
não tenho medo do trânsito
de chegar atrasada
de chegar cedo demais
de dizer que nao sei
de pedir para repetir a explicação
de parecer ridícula com minha capa de dez anos
caminhando, a pé, penso muito
concluo que sinto poucos medos
talvez os tenha perdido junto com as certezas
existe ligação entre medos e certezas?
talvez sim
talvez medos nasçam de certezas destruídas
quem não tem certeza de nada, não erra
quem não sabe para onde caminha, desfruta do caminhar
hoje só tenho medo do medo que não tenho.